"(...) Há muitos «peritos» em música que consideram falso e diletante que, durante um recital, o ouvinte veja imagens: paisagens, pessoas, mares, trovoadas, alturas do dia e estações do ano. A mim, que sou um leigo, tão leigo que nem consigo reconhecer bem o tom de uma peça, parece-me que ver imagens é natural e bom; de resto, já o reencontrei em bons músicos. Naturalmente que, no concerto de hoje, os ouvintes não viram todos a grande vaga, o recife de solidão e tudo o que eu vi. No entanto, parece-me que esta música deve ter despertado em cada ouvinte a mesma sensação de crescimento orgânico e de vida, de surgimento, luta e sofrimento e, por fim, vitória.
Um bom caminhante devia ter à frente dos olhos a imagem de um longo e perigoso passeio pelos Alpes; um filósofo, o despertar, transformação e sofrimento de uma consciência até à resignação agradecida e madura; um santo, o caminho de uma alma afastando-se de Deus e regressando a um Deus maior e mais puro. Mas nenhum dos que ouviu com atenção pôde menosprezar a carga dramática desta imagem, o caminho da criança ao homem, da transformação ao ser, da felicidade individual à reconciliação com a vontade do universo.(...)
Hermann Hesse
Excerto de "Música"
Hermann Hesse
Excerto de "Música"
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