"(...) Vem nascer comigo, irmão.
Das profundas zonas da tua dor
disseminada, dá-me a tua mão.
Não voltarás do fundo das rochas.
Não voltarás do tempo subterrâneo.
A tua voz não voltará endurecida.
Não voltarão perfurados os teus olhos.
Olha-me do fundo da terra,
lavrador, tecelão, pastor calado;
domador de guanacos tutelares;
pedreiro do andaime desafiado;
aguadeiro das lágrimas andinas;
joalheiro dos dedos moídos;
agricultor que estremeces na semente;
oleiro em tua argila derramado;
trazei à taça desta nova vida
as vossas velhas dores enterradas.
Mostrai-me o vosso sangue, os vossos golpes,
dizei-me: aqui fui castigado,
porque a jóia não brilhou ou porque a terra
não entregou a tempo a pedra ou o grão;
mostrai-me a pedra em que caíste
e a madeira em que vos crucificaram,
acendei-me as velhas pederneiras,
as velhas lâmpadas, os chicotes colados
às chagas, através dos séculos,
e os machados de brilho ensanguentado.
Venho falar pelas vossas bocas mortas.
Através da terra juntai todos
os silenciosos lábios dispersos
e lá do fundo falai comigo por toda esta longa noite,
como se eu estivesse ancorado convosco,
contai-me tudo, cadeia por cadeia,
elo por elo, passo por passo,
afiai as facas que guardastes,
colocai-as em meu peito e em minha mão,
como um rio de raios amarelos,
como um rio de tigres enterrados,
e deixai-me chorar, horas, dias, anos,
idades cegas, séculos estelares.
Dai-me o silêncio, a água, a esperança.
Dai-me a luta, o ferro, os vulcões.
Colai a mim os corpos como ímanes.
Aluí às minhas veias e à minha boca.
Falai com as minhas palavras e o meu sangue.(...)"
Excerto de "Alturas de Macchu Picchu" de Pablo Neruda In "Canto Geral"
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