"(...) Acabei a minha sessão de canto, estou triste, flor depois das pétalas. Reponho sobre meu corpo suado o vestido de que me tinha libertado. Canto sempre por causa disso: sempre me dispo quando canto. Estranha-se? Eu pergunto: a gente não se despe para amar? Porquê não ficar nua para outros amores? A canção é só isso: um amor que se consome em chama entre o instante da voz e a eternidade do silêncio.
Outros cantadores, quando actuam em público, se trajam de enfeites e reluzências. Mas, em meu caso, cantar é coisa tão maior que me entrego assim, pequenitinha, destamanhada. Dessa maneira, menos que mínima, me torno sombra, desenhável segundo tonalidades da música.
Cantar, dizem, é um afastamento da morte. A voz suspende o passo da morte e, em volta, tudo se torna pegada da vida. dizem mas, para mim, a voz serve-me para outras finalidades: cantando eu convoco um certo homem. Era um apanhador de pérolas, vasculhador de maresias. Esse homem acendeu a minha vida e ainda hoje eu sigo por iluminação desse sentimento. O amor, agora sei, é a terra e o mar se inundando mutuamente.(...)"
Cantar, dizem, é um afastamento da morte. A voz suspende o passo da morte e, em volta, tudo se torna pegada da vida. dizem mas, para mim, a voz serve-me para outras finalidades: cantando eu convoco um certo homem. Era um apanhador de pérolas, vasculhador de maresias. Esse homem acendeu a minha vida e ainda hoje eu sigo por iluminação desse sentimento. O amor, agora sei, é a terra e o mar se inundando mutuamente.(...)"
Excerto de "Na berma de nenhuma estrada" de Mia Couto
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