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domingo, 10 de maio de 2009

Rua de Gente que Trabalha

"(...)A minha rua é suja, esburacada, carcomida de velhice.Não tem passeios, porque ali ninguém passeia, nem nome nas esquinas. Mas chamam-lhe Rua Detrás, certamente porque as casas, atarracadas, ficam detrás de vivendas dominadoras, e a gente que nelas mora anda sempre atrás nas passadas da vida.
Rua de gente que trabalha. Em certas horas, é silenciosa e quieta; noutras, movimentada e gárrula. Tem fluxos e refluxos, como as águas do mar. As crianças da minha rua não conheciam o mar, mas adoravam a rua.
Pelas tardes cálidas de verão, os moradores vinham para a soleira da porta, e ali ficavam a tomar o ar, que é fresco e gratuito, e a contar as novidades velhinhas da sua vida sempre igual.
As crianças - umas raquíticas, outras seminuas - vinham também (agora já não vêm) espalhar-se em grupos, a brincar. E então a rua convertia-se no mundo encantador da sua imaginação. Havia buracos que eram precipícios; pedras que semelhavam castelos; montes de lixo convertidos em florestas. O mar era o fio de água que escorria pelas valetas; os bocados de madeira flutuavam como barcos; os papeís rasgados transformavam-se em peixes. Até a areia, que o vento arrastava aos montões, era removida, com mil cuidados, nas latas enferrujadas... (...)"

Excerto de "As crianças da Minha Rua" in "Contos Vermelhos e outros escritos" de Soeiro Pereira Gomes

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