"(...) Um pássar-martelo rodopia sobre mim. Pousa e se aproxima, sem medo. Fica-me olhando, sereno como se eu lhe fosse familiar. Me apetece tocar-lhe mas me guardo, imóvel. Ele se anicha em seu próprio corpo, parece adormecido. Fecho os olhos, afrouxado naquela quietude. Quando me levanto e, pé ante pé, tento despertar o pássaro, ele se conserva imóvel. Estaria adoentado, ainda me ocorreu. Um pássaro adoece? Ou desmorona-se logo na morte, sem enfermidade pelo meio? Encorajado pela atitude da ave acabo tocando-lhe, num leve roçar dos dedos. É então que do corpo do mangondzwane se libertam dezenas de outras aves semelhantes, num deflagrar de asas, bicos e penas. E o bando, em espesso cortejo, se afasta, renteando o rio Madzimi, lá onde minha mãe se converteu em água. (...)"
Excerto de "Um Rio chamado tempo, uma casa chamada terra" de Mia Couto
Excerto de "Um Rio chamado tempo, uma casa chamada terra" de Mia Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário