"(...)A tal humanização da paisagem é trabalho, suor, dores, angústias, preocupações, esperanças, alegrias; mas não para todos os homens: é-o apenas para o pequeno proprietário, ou o rendeiro, o seareiro, o parceiro. Para definir a paisagem podemos afirmar que se trata da natureza vista pelos olhos, aspirada pelo olfacto, escutada pelos ouvidos, tacteada, apalpada, moldada pelas mãos, saboreada, no doce e no azedo, pelo paladar. O conhecimento da natureza através dos cinco sentidos pertence à maneira de ser do pequeno camponês; representa uma forma de tomar posse da paisagem; ele sente-a com a sua consciência proprietária, mas de um proprietário ao mesmo tempo trabalhador (e às vezes, muitas vezes, quase sempre), de camaradagem com a família. Pobre, ele está à merce de tudo; carências de dinheiro, de crédito; dependência dos intermediários; ameaça de proletarização pelo capital ou os latifúndios; sujeição supersticiosa ao vento, à chuva, ao granizo, à seca. Por isso podemos aplicar à paisagem a célebre definição por Marx feita do valor económico: é também «trabalho coagulado». Todavia, «trabalho coagulado» no ponto de vista de um pequeno proprietário. O que «humaniza» as suas propriedades por intermédio do labor alheio já vê a paisagem com outros olhos. Diremos, para sermos rigorosos, que não olha: avalia. E para o grande agrário absentista, a paisagem pode até não ter árvores, arbustos, plantas: é conta no banco. No pólo oposto, o trabalhador rural, proletário do campo que só tem uma propriedade (tal qual o operário) - a força dos seus braços -, para ele o que produz, feijão, batata, trigo e o mais que imaginarmos, torna-se-lhe económico-socialmente indiferente; não é dono do que cria: vai encontrá-lo no mercado, para o comprar, como se nunca tivessem tido entre si qualquer relação. Então a paisagem circunscreve-se para o proletário rural a jornadas de trabalho(...)"
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